domingo, 13 de março de 2011

Três tristes tigres

 
De alguma maneira eu a amo. Digo de alguma maneira, pois não a quero para mim, ou ao menos a desejo. Querer eu quero irremediavelmente ao homem de timbre suave e falar pausado. Qual sempre parece estar a contar histórias para crianças. Sempre não, quase sempre eu devia dizer. Já que ele não parece contar histórias para crianças quando me olha com o olhar do desejo. Já ela, com os olhos tão tristes. É a fragilidade em pessoa. Disseram-me que um câncer a tornou mais humana. Eu penso que não. Toda aquela fragilidade é inumana por demais. Quando a vejo tão magra, com os grandes olhos magoados e a pele areiada dos árabes. Imagino sua história de mulher.
Quanto a ele, também o desejo. Como uma ninfa a um gigante descomunal. E isso me apavora. No meio do silêncio que nos une e igualmente nos separa também quase que o amo, porém o abnego, pois este homem que às vezes aparece com o ar cansado, esconde um mundo. E ousou penetrar na minha absoluta solidão. Que agora não é mais minha, tão pouco é absoluta. Hoje pela manhã ela sorriu. E no falar cantado e lírico de seu sotaque indecifrável, falou de Camões. E sorriu mais. Inúmeras, incontáveis vezes, com uma alegria reconfortante. Ele, que eu não sei por onde anda ou o que fez do dia de hoje. Vai fixando-se em nós entre a tarde que se vai e a noite prestes a cair. Mais aflitamente sua imagem se faz presente dentro do escuro do que falta. E assim, perpetua-se minha espera solene, pois ele ainda falta. Ela despediu-se com um meio sorriso, como a gota derradeira depois do dilúvio. A figura serena, aureolada por uma alegria doce, suavemente me deixou.
O homem que eu espero se escondeu da minha vista e foi-se, com o orgulho quase infantil quebrado e uma atitude de quem não entende o que não é obvio. Sei que irei vê-la novamente daqui a sete dias, não espero ou anseio este momento já marcado. Que só o improvável pode desarmonizar. Quanto a ele, talvez seja quatro dias ou nunca mais. O que me parece destruidor e insustentável.
Eu que me fui encontrada por sua imagem em frente ao meu olhar. Hoje me sinto covarde e perdida. Sou tão frágil quanto à mulher dos grandes olhos magoados. Estou completamente desarmada e desamparada, por vezes desesperada. Sofrerei, sofro, sofri, só não tenho o jeito certo de sofrer. ... (C.M, 2008, Primavera).

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