domingo, 13 de março de 2011

Adorável Nordestina

     Diga 33... Não estava realmente no médico, fui trazida novamente para a realidade por uma voz simpática, quase cantada. Um profissional de RH diria: um sorriso na voz. Era um daqueles dias em que eu me sentia meio Manuel Bandeira, mas sem o seu talento poético. Minhas costas doíam, minha cabeça e meu peito também. O catarro grosso estava entranhado em todo o meu ser. Eu tinha tido febre durante a noite, acordei suando, com o cabelo grudado na testa e um cheiro de morte. Não, eu não iria morrer ainda, pelo menos eu acreditava nisso. E também não me considero uma pessoa hipocondríaca, mas em uma dessas tentativas racionais de continuar vivendo na mais completa normalidade fui à farmácia, não há um bom especialista, mas simplesmente a antiga farmácia perto de casa.
Eu moro em um país subdesenvolvido, onde saúde ainda é considerada artigo de luxo e as pessoas se automedicam, tomam chás para quase tudo e algum desses remédios que fazem propaganda na TV. O farmacêutico muito simpático fez um rombo quase irreversível em minha carteira. Não teria outro jeito, iria passar o fim de semana praticamente sem dinheiro. O que não é nenhuma novidade. Um antibiótico e um xarope. Saí de lá quase confiante, como é fácil acreditar em um desconhecido que fala como quem se preocupa com a gente. Isso me faz lembrar que os maiores psicopatas do mundo parecem pessoas muito atenciosas e preocupadas com o bem estar dos outros.
Saindo da farmácia eu fui ao mercado, sábado, pior que isso, primeiro sábado depois do quinto dia útil na cidade de São Paulo. As pessoas se amontoando, carrinhos, filas, crianças, filas, preços exorbitantes, filas, em uma verdadeira representação do inferno. Depois de quase duas horas para comprar meia dúzia de quase nada, a derradeira fila e a hora de pagar por toda aquela diversão de filas e aglomerações. Meu corpo quase desistindo e caindo derrotado pela gripe, pelos preços, por todas as filas do mundo. No rádio, entre duas estações, Cazuza brigava com um desses programas evangélicos tão comuns hoje em dia, “quero ver quem paga pra gente ficar assim...”, foi quando no meio do meu devaneio escutei a voz daquela sergipana, que já morou em Goiás e gentilmente conversava comigo como quem me conhecesse há muito tempo.
 Não era alguém que queria parecer interessada ou gentil, também não era uma psicopata ou uma candidata a nenhum cargo público, mas alguém realmente interessada e gentil. Falou das vantagens de trabalhar próximo a sua casa, da sua cidade natal, de como gostava de morar em São Paulo, de seus sonhos e eu falei uma ou duas palavras, esbocei um quase sorriso, paguei as compras, disse um tchau bendito, desejei boa sorte! “Tão Brasil!”, pensei quase encantada com o inusitado da situação, e resolvi escrever algo que certamente ela jamais irá ler ou quem sabe lerá um dia, no entanto, foi uma maneira de não esquecer como ainda existem boas pessoas neste país, que talvez apesar de tudo não seja um lugar tão ruim assim... ruim... (C.M, 2008, Inverno).

 

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