domingo, 3 de abril de 2011

Uma moça e um rapaz (ou uma história de monstros e dragões)


Ela nem sabia há quanto tempo estava em um estado de gravidez existencial. Sim, estava es-pe-ran-do. Não outra vida, mas a volta de sua própria vida, sem ter muita certeza que isso fosse possível, e por isso encontrava-se estagnada. Passaram-se horas, dias, semanas e talvez até meses e ela a espera de um telefonema, ou um e-mail, ou de um SMS, que lhe devolvesse a alegria perdida e lhe arranca-se daquele estado de prostração.                                                                                                            
Mudara de cidade é bem verdade! Pois, pensara que novos ares poderiam ajuda-la. No entanto, de nada adiantou. Sabia que ali não iria encontra-lo no meio de uma caminhada; uma ida solitária ao cinema ou necessária a uma padaria ou ao supermercado. Há não ser se ele viesse a sua procura. Mas, isso ela sabia que não iria acontecer. Então, porquê não resolvia esquece-lo de vez?                                                             
 Nas poucas vezes que o encontrara após o fim derradeiro, fora tanto o silêncio em meio a olhares furtivos e tristes gargalhadas mudas e ocas, cigarros estragados, álcool e Rock-'n'-roll. Depois, as lágrimas escorrendo gordas e quentes, a maquiagem borrada e a vergonha por sua fraqueza ou pela falta de dignidade que tal sofrimento lhe impunha.                                                                                                                             
Assim corria o tempo, e em meio à espera esquálida, aos cafés fortes e frios, ao trabalho cansativo, aos cigarros - sempre com a presunçosa promessa de “eu vou parar! Ah! Eu vou...”, a fumaça dos automóveis e a luz das ruas, que não eram as ruas de sua cidade, mas as solitárias ruas do exílio. E nessa hora lembrava-se sempre de Caetano Veloso e começa a cantar baixinho: “I know they keep the way clear, I am lonely in London without fear. I'm wandering round and round, nowhere to go; ela que cada dia ficava mais magra, mais loira, mais ruiva, mais morena e cortava os cabelos e mudava a cor do esmalte ou de perfume e trocava os móveis de lugar, em uma tentativa meio infantil de libertar-se então, pois apesar de tudo adorava rituais e recomeços.            
E, assim, continuava a checar os e-mails, o celular e a secretária eletrônica sem se ater ao fato de que de repente ele não tinha mais o seu endereço eletrônico ou seus números; ou mesmo não quisesse ou tivesse nada para lhe dizer.                                                      
Tão ocupada estava a cuidar de um amor moribundo, que nem se dava conta dos telefonemas, mensagens e e-mails dos amigos e das tentativas meio gauchescas de flertes por parte de amigos de seus amigos e muitas vezes até de alguns estranhos. E quando alguém vinha lhe indagar, sobre o que ela achava desse ou daquele? Aquele que havia sido apresentado a ela naquela festa, aquela mesma festa que ela sentira-se obrigada a comparecer e passara a noite toda se controlando para não tomar todas, ficar louca e ir embora em um rompante, fugindo de todos e principalmente da dor que sentia  e que ninguém mais era capaz de compreender. Ou do novo vizinho, do segundo andar, que aparecera de repente para pedir o endereço da academia do bairro e era tão solicito e tão bonito também ou do jovem alemão, estudante de intercâmbio, a quem ela dava aulas de violão e confessara-lhe um dia que escrevia poesias, pois se sentia terrivelmente só naquela cidade, tão longe de casa.                                                                                                                      
E sempre respondia com toda a sinceridade e gentileza do mundo: “que não havia notado”; ou “que ele era muito jovem”; ou “muito tolo”; ou “muito velho”; ou “muito alto”; ou “muito baixo”; ou “gordo”; ou “magro por de mais”. Porém, o que ela repetia o tempo todo para si mesmo, era: “que não era ele” e aí estava todo o problema.                   
Até que em meio a todo o caos sentimental o qual se encontrava, nessa tênue fronteira entre uma gravidez existencial, um desamor quase patológico e um luto interminavelmente necessário; eles começaram a conversar. Não havia ninguém por perto, não existiam amigos em comum, mas livros, músicas e viagens; “reli esse livro há pouco tempo!”– “nossa, é minha música favorita!” – “não acredito que você esteve lá!” - “poxa! eru também me sinto assim...”.    Fora um mundo de coincidências, gostos parecidos e sorrisos tão naturais quanto descuidados; havia também as novidades: “não, eu não vi esse filme, só escutei falar...” – “de que música você está mesmo falando?”– “vou ler esse livro, que você comentou, e depois conto o que achei!”- “que banda é essa?”. assim, cada vez mais eles iam se AproxiiiiiiiiMANDO.                                                    
 Foi quando se deu conta pela primeira vez de que já era outono e ela nem havia visto passar as outras duas estações anteriores, percebeu também que não lembrava exatamente quando havia ocorrido a última grande crise de choro e que já não ficava mexendo o tempo todo no celular e agora mal consultava a secretária eletrônica e os e-mails. Entretanto, ainda lembrava-se muito bem que em uma outra cidade havia uma pessoa capaz de desestabiliza-la totalmente, é verdade! Mas ali, naquele lugar em que se encontrava, naquele momento em que as tardes ensolaradas eram cada vez mais raras e o vento costumava levar as folhas amareladas das árvores da praça central em uma dança tão enternecedora quanto esplêndida, as esperas poderiam ser outras... (C.M, 02 Abr 2011, Outono)           

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